Náutico usa associação sem fins lucrativos para movimentar dinheiro do clube e driblar credores
   30 de agosto de 2022   │     2:00  │  0

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Caso vem à tona após Palmeiras ir à Justiça contra clube pernambucano, condenado em primeira instância por fraude.

Um processo do Palmeiras deu luz a uma fraude que o Náutico cometeu para não pagar credores, motivo para questionamentos sobre falta de transparência e controles internos. A prática não é considerada crime, porém se enquadra como ilícito civil, e pode causar invalidação de contratos assinados e pagamento de indenização.

A estratégia foi executada por Diógenes Braga e Edno Melo, respectivamente presidente e ex-presidente do clube alvirrubro. Eles são os principais responsáveis pelo uso da conta corrente de uma associação civil sem fins lucrativos, para movimentar parte do dinheiro do Náutico fora do alcance de execuções judiciais, com o objetivo de fugir dos bloqueios dos credores.

Trata-se da Recreio Fluvial, associação sem fins lucrativos criada em outubro de 2016. Inicialmente, tinha como objetivo arrecadar doações para obras de recuperação do estádio dos Aflitos, reaberto em dezembro de 2018. A entidade, no entanto, também foi usada para outros propósitos.

Em 1º de novembro de 2018, ainda durante o primeiro mandato de Edno na presidência alvirrubra, o Náutico firmou um “instrumento particular de mútuo financeiro” (em português compreensível: um empréstimo) com a Recreio Fluvial. O crédito foi de R$ 807 mil.

Como forma de pagamento ao empréstimo, o clube cedeu os direitos comerciais sobre uniformes e espaços publicitários nos Aflitos até dezembro de 2019. Pela literalidade do contrato, toda a verba arrecadada no período pertenceria à Recreio Fluvial.

O contrato deste mútuo, obtido pelo ge, carrega as assinaturas de Edno e Diógenes – à época, vice-presidente do clube. Eles também eram presidente e diretor comercial da Recreio Fluvial, respectivamente, e estavam cadastrados como responsáveis legais pela associação.

“Em 2019, choveram bloqueios. Para tentarmos receber o dinheiro do patrocinador máster, fizemos o contrato de mútuo financeiro, em que colocamos a Recreio como credora do Náutico. Utilizamos esse meio jurídico para liberar o dinheiro”, explicou Diógenes, hoje presidente, à reportagem.

– Conseguimos evitar vários bloqueios, contudo dois permaneceram. Um do Derley, em que fizemos acordo e já foi quitado, e outro do Palmeiras, que segue tramitando com um saldo bloqueado – concluiu o presidente.

Acusação e condenação

Em ação ajuizada em 27 de fevereiro de 2018, o Palmeiras exigia o pagamento de uma dívida de R$ 440 mil, referente a empréstimo de jogadores. A Justiça determinou o pagamento por parte do clube pernambucano, que não foi feito. Veio, então, a ordem de bloqueio das contas do Náutico. Não havia saldo.

Atrás de todas as fontes de receitas do Náutico, o Palmeiras descobriu que o clube havia fechado com novo patrocinador, o Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco, no dia 5 de novembro de 2018. Este contrato não foi fechado diretamente com o Náutico, e sim por meio da Recreio Fluvial, por conta do empréstimo cedido quatro dias antes. Mesmo assim, os paulistas conseguiram o bloqueio.

Formou-se então uma disputa judicial em torno dos valores. Enquanto a Recreio Fluvial tentava desbloquear o dinheiro, com o argumento de que a associação não era a devedora, os dirigentes do Palmeiras acusaram os credores de má-fé e se basearam nas semelhanças entre as duas associações, que tinham as mesmas pessoas em seus comandos.

Na 13ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o juiz Luiz Antonio Carrer redigiu a sentença sobre o caso em 14 de outubro de 2021. O magistrado afirmou que a cessão dos direitos comerciais relacionados havia sido feita para fraudar a execução judicial.

Outros contratos de patrocínio

A reportagem teve acesso a cinco contratos de patrocínio firmados pelo Náutico durante a administração de Edno Melo em 2019. O primeiro foi validado apenas quatro dias após a assinatura do “empréstimo” entre o clube e a Recreio Fluvial. Trata-se do acordo com o então patrocinador máster, que ocupou a propriedade mais valiosa do uniforme.

Neste acordo, a empresa se comprometeu a pagar R$ 720 mil de forma parcelada. O primeiro depósito estava previsto para 9 de novembro de 2018, no valor de R$ 90 mil. A partir de então, haveria a cobrança de dez parcelas, de R$ 63 mil cada, em todo dia 1º de cada mês. O contrato previa o repasse a uma conta bancária na Caixa Econômica Federal.

Questionamentos internos

No âmbito do Conselho Deliberativo do Náutico, os fatos relatados nesta reportagem foram levados ao conhecimento de seu presidente, Alexandre Carneiro, por Tatiana Roma de Brito, jornalista e conselheira do clube alvirrubro. O relatório escrito por ela descreve a operação com a Recreio Fluvial, a acusação do Palmeiras e a decisão desfavorável.

– Causa estranheza e perplexidade, não só a falta de clareza em relação à citada operação financeira, mas também, e principalmente, quanto à confusa e pouco transparente relação até hoje mantida entre o Clube Náutico Capibaribe e a Recreio Fluvial, cenário que gerou recentemente, inclusive, a renúncia do senhor Rafael Marinho, vice-presidente da Recreio Fluvial, conforme ofício em anexo, datado de 16 de junho de 2022 – diz trecho do relatório, que segue.

A reportagem conferiu as documentações contábeis publicadas pelo clube alvirrubro entre 2018 e 2021. A falta de transparência é flagrante em todas as versões já publicadas, com a ausência do parecer da auditoria externa e das notas explicativas. De qualquer maneira, nenhum balanço ou balancete aponta o nome da Recreio Fluvial.

 

João de Andrade Neto e Rodrigo Capelo – Redação do ge – Recife