Fora de área? Escassez de ‘camisas 9’ de ofício chama atenção no atual vaivém do futebol nacional
   18 de janeiro de 2022   │     15:00  │  0

Fora de área? Escassez de ‘camisas 9’ de ofício chama atenção no atual vaivém do futebol nacional

Gabigol (Flamengo, Fred (Fluminense) e Diego Souza (Grêmio): alguns dos camisas 9 em voga (Fotos: Alexandre Vidal/Flamengo; Lucas Merçon/Fluminense; Lucas Uebel/Grêmio

LANCE! destrincha porque centroavantes natos são considerados ‘artigos de luxo’ no Brasil.

As movimentações do futebol brasileiro neste 2022 evidenciaram uma peculiaridade. Clubes como Palmeiras, Corinthians e Vasco estão com dificuldades de encontrar um centroavante de ofício, pois o típico fazedor de gols está em falta. Da pouca renovação a novas formas de pensar em como o número 9 pode funcionar em campo, alguns fatores começam a fazer com que esta área fique perigosa no vaivém.

Mandatário do Fortaleza, Marcelo Paz reconhece que uma mudança de paradigma está afetando a rotina dos clubes.

– Virou artigo de luxo, né?! São poucos jogadores “camisas 9” tradicionais de área. Um atleta que seja bom finalizador, cabeceador… Temos poucos remanescentes disso aqui. Os que têm são veteranos que seguem fazendo gols. Os que vêm das categorias de base saem do Brasil muito jovens e não são mais os 9 de ofício, como foram Ronaldo, Luís Fabiano, como foram lá atrás Dadá Maravilha, Serginho, Careca. Hoje nós contamos nos dedos “os camisas 9” de ofício – afirmou o dirigente do Tricolor do Pici ao LANCE!.

Atualmente, Gabigol, do Flamengo e Fred, do Fluminense, surgem como alguns dos expoentes entre os centroavantes em atividade. A dupla Fla-Flu ainda consegue algo incomum, que é a concorrência interna na posição. Pedro é alternativa rubro-negra desde 2020, enquanto Germán Cano desembarcou nas Laranjeiras neste ano. Já o Grêmio continua a apostar em Diego Souza, que no início de sua carreira era meio-campista mas, aos poucos, passou a atuar mais na frente, como um camisa 9.

‘Hoje, o modelo de jogo pede um atacante que tenha mais movimentação’, diz Gilberto Monteiro, gerente da captação da base do Internacional.

– Um camisa 9 precisa ter uma estatura longilínea para duelos. Além disto, tem de ter capacidade de força e movimentação para sustentar o jogo, terminar as jogadas e ter boa finalização. Claro que em alguns momentos pode acontecer de um atleta não ir bem em um fundamento. Por exemplo, o jogador tem boa finalização, mas não é “agressivo” para jogadas ou não é bom no cabeceio. À medida que vemos um atleta com potencial, fazemos um trabalho específico para que ele aprimore em todos os fundamentos – disse Monteiro.

O gerente de captação do Colorado apontou que a responsabilidade começou a ser maior para quem atua nesta área. Não basta ser uma referência.

– Hoje, o modelo de jogo pede um atacante que tenha mais movimentação, em vez de um 9 que seja referência de área. A mudança de perfil faz com que o atacante saia mais – e emendou:

– Tem que ser um jogador que se apresente para fazer tabela e ao mesmo tempo consiga fazer as conclusões e tenha uma presença de área – completou.

Sucesso do ‘falso 9’ de Pep Guardiola é visto como um dos fatores relevantes para atual escassez de centroavantes.

Treinador do ouro olímpico da Seleção Brasileira na Rio-2016, Rogério Micale atribui a escassez de centroavantes natos a um novo momento do futebol do país. O atual técnico do Al-Dhafra (EAU) opinou.

– São mudanças que ocorrem naturalmente no futebol. Alguns chamam de “modismos”, mas na verdade são ciclos que iniciam. O ciclo do camisa 9 fixo ficou menor principalmente com o fracasso do Brasil na Copa do Mundo na qual sofremos o 7 a 1 (para a Alemanha, na semifinal do Mundial de 2014, no Mineirão). Dali em diante, começamos a rotular o número 9 e houve a busca por alternativas do mercado – constatou.

Micale diz que emergiu ao mesmo tempo um novo estilo no exterior.

– Aí apareceu o “falso 9”, que é um jogador com mais mobilidade, sai um pouco mais da área. Além de ter de boa finalização, é um bom articulador de jogadas. Cada vez mais isso se tornou uma tendência dos clubes. A base vem acompanhando tudo o que acontece no futebol, dando início a uma escassez na posição de centroavante – disse.

A função do camisa 9 também não passou batida pelo técnico Tite. Em entrevista coletiva após a convocação da Seleção Brasileira na quinta-feira passada (13), o comandante canarinho foi veemente ao ser perguntado se prefere um homem de área ou um jogador que seja mais participativo.

– Não dá para fechar conceito. Procuramos ter jogadores com diferentes características. Nisso está a expectativa pelo Pedro (atualmente na reserva do Flamengo). É um jogador mais de área. Para ter a concorrência. A dupla de ataque pode se complementar. O que não dá para abrir mão é ter jogadores para diferentes necessidades do jogo – e citou:

– Exemplo: Brasil 1 x 0 Venezuela. Chega 20 do segundo tempo, colocamos Pedro e Richarlison enfiados. Com dois pivôs, dois externos e dois meias. A Venezuela marcava só atrás. Ter opções sem definir características – complementou.

Blog com LANCE & ISTOÉ