Um jovem estrangeiro chega ao Rio de Janeiro em pleno carnaval. Conhece a praia, aprende algumas poucas palavras em português e se surpreende com a gentileza do carioca. Mas o roteiro da viagem do camaronês Futkeu Petouochi Abdel, de 21 anos, passa longe de pontos turísticos como Corcovado e Pão de Açúcar. Prefere, em vez disso, bater na porta de clubes. Abdel não veio ao Rio a passeio, mas com uma missão: ser jogador de futebol no Brasil.
— Sou como um soldado que vai à guerra — diz Abdel, com a voz carregada de ternura.
Para o camaronês, “pelada” só existe no jargão do futebol, quando joga ocasionalmente na areia de Copacabana. Não que Abdel precise sair para isso: com uma bola a tiracolo desde seus primeiros dias no Rio, passa boa parte do tempo fazendo embaixadinhas e outros exercícios no hostel. Até o quarto que dividia com cinco pessoas virou campo de treinos, principalmente depois que os outros hóspedes foram embora.
Depois de ter cruzado o oceano, Abdel faz o possível para divulgar seu futebol e ganhar uma chance em algum clube do Rio. Quando deu entrevista ao GLOBO, repetiu uma autodescrição provavelmente ensaiada algumas vezes: não especialmente rápido, mas um jogador que sabe se posicionar, se desmarcar e concluir.
— Desde criança eu via jogadores como Ronaldinho e Pelé. Acho que o estilo do futebol africano tenta se inspirar neles, então pensei: ‘Por que não viajar ao Brasil?’. Cheguei a atuar profissionalmente em Camarões, mas acreditei no meu sonho de vir para cá — narra Abdel.
A vinda de Abdel ao Brasil foi mais do que vontade individual, como ele mesmo explica: tratou-se de um projeto familiar. Filho homem mais velho em uma família de 22 irmãos, Abdel teve o suporte dos pais, que o ajudaram a juntar cerca de R$ 10 mil (ou 2 milhões de francos CFA) para custear a aventura futebolística no Rio.
Abdel confessa, um pouco sem graça, que o dinheiro começa a escassear depois de um mês longe de casa. Com curso técnico em mecânica automotiva, poderia buscar emprego para se sustentar no Rio. Embora fale pouquíssimo português, ele garante que o idioma não é empecilho. O problema é se desviar de sua obsessão: o futebol.
— Não posso perder o foco de me tornar um jogador de futebol. Comecei a jogar com cinco anos, com laranjas, e desde então nunca mais parei. Jogo futebol todos os dias. Quando tinha oito anos, enfrentava meninos de 21. Herdei este dom do meu pai. Ele nunca foi profissional, mas jogava bola e era bom — garante Abdel.