Alzheimer: jogadores de futebol têm mais risco de desenvolver doença, diz estudo
   21 de março de 2023   │     19:00  │  0

Um estudo sueco divulgado pela Lancet, principal revista de artigos científicos do planeta, mostrou que jogadores de futebol, com exceção de goleiros, têm mais risco de desenvolver doenças neurodegenerativas do que a população em geral. Segundo a pesquisa, a probabilidade de um atleta do esporte mais popular do mundo ter Alzheimer ou demência é 1,5 maior do que as outras pessoas.

O estudo analisou os laudos médicos de mais de seis mil jogadores de futebol da primeira divisão do Campeonato Sueco entre 1924 e 2019. Em seguida, os pesquisadores compararam a taxa de pessoas afetadas por problemas cerebrais degenerativos com a de uma amostra de 56 mil suecos.

Os goleiros não foram levados em consideração por não sofrerem tantos golpes na cabeça quanto os atletas de linha. Além dos possíveis choques, os jogadores de linha usam a cabeça nos cabeceios e cortes de chutes violentos.

Trata-se do maior estudo já realizado sobre o tema desde a publicação de uma outra pesquisa feita na Escócia, de 2019, que concluiu que os jogadores de futebol são 3,5 mais propensos a sofrer com algum problema neurodegenerativo ao fim da carreira – o estudo foi feito com jogadores escoceses nascidos entre 1900 e 1976. A relação foi descoberta com a morte de Nobby Stiles, volante campeão do mundo com a Inglaterra, em 1966, que sofria de demência.

Outros casos em modalidades nas quais pancadas na cabeça são frequentes, como futebol americano, hóquei e rúgbi, também foram registrados.

Buscando minimizar os danos físicos e mentais à saúde dos atletas, a Fifa instituiu em 2022 uma nova regra permitindo uma substituição extra no campo, além das cinco alterações habituais, quando há suspeita de concussão cerebral.

A troca extraordinária tem como objetivo evitar a permanência do atleta que sofreu a pancada na partida e fazer com que a equipe seja prejudicada com a perda de um jogador por causa de um acidente de trabalho. A regra passou a vigorar na Copa do Mundo do Catar, vencida pela Argentina.

CÉREBRO X CONCUSSÃO

Segundo o neurologista Felipe Chaves Duarte, do Hospital Sírio-Libanês, uma concussão ocorre quando há um prejuízo na função cerebral, impactando a memória e a orientação após um trauma na cabeça, com a possibilidade da perda de consciência ou não. Algumas pessoas podem ter sintomas após uma concussão que incluem dor de cabeça, tontura, zumbido e insônia por semanas ou até meses.

“Esses sintomas, em geral, ocorrem por uma alteração da rede de funcionamento do cérebro, ou seja, na forma como os neurônios se conectam, em vez de um dano na estrutura cerebral”, explica Duarte. “Concussões repetidas têm uma relação com acúmulo de proteínas danosas no cérebro devido ao trauma recorrente. Com isso há danos de regiões importantes para a memória e o planejamento cerebral.”

Feres Chaddad Neto, coordenador do setor de neurocirurgia vascular do hospital BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que uma concussão pode levar ao rompimento da membrana plasmática causando danos aos neurônios. Por vezes, ocorrem as chamadas lesões axonais difusas, que são lesões microscópicas nos axônios (células por onde se transmite o influxo nervoso), ocasionando a morte do neurônio, inchaço no cérebro e aumento da pressão intracraniana.

“Importante, que a maioria desses sintomas são revertidos sem necessitar de grandes intervenções médicas, bastando repouso e uso de medicamentos para tirar a dor ou anti-inflamatórios.”

PANCADA NA CABEÇA

Em agosto do ano passado, a International Football (Ifab, sigla em inglês), associação que estabelece as regras do futebol, enviou a confederações nacionais uma recomendação para que jogadores de até 12 anos das categorias de base sejam proibidos de cabecear a bola durante treinos e partidas.

No Reino Unido, a orientação já havia sido colocada em prática e, caso a mudança tenha impacto positivo, a tendência será remover os cabeceios deliberados de todas as partidas até o sub-12 na temporada 2023/24. O objetivo é evitar que os adolescentes, com o cérebro ainda em desenvolvimento, sofram com algum tipo de dano decorrente de pancadas.

Duarte explica que traumatismos cranianos, como as concussões, ocorrem de forma mais frequente nos lobos frontais do cérebro, na região da testa. São áreas especializadas em funções cognitivas avançadas, como comportamento, planejamento e controle dos movimentos. Segundo o neurologista, a região mais perigosa para um trauma é o tronco encefálico (região da nuca), localizado na transição entre o crânio e a coluna vertebral.

“Ele (tronco encefálico) é responsável por algumas funções básicas para manter o corpo vivo, como nos manter acordados e controlar a respiração”, diz Duarte.

Chaddad Neto ressalta que o retorno de um esportista às atividades após uma concussão deve ocorrer de maneira gradual. De acordo com o especialista, o atleta deve permanecer em repouso por um período entre 24h e 48h, retornando primeiramente às tarefas diárias e exercícios aeróbicos leves e assim por diante.

“Caso o atleta não sinta nenhum sintoma da concussão durante os exercícios ou em repouso, ele poderá retornar aos esportes em uma semana. No entanto, alguns estudos com atletas adolescentes sugerem que eles levam mais tempo para recuperar a função cognitiva total quando comparados a outras faixas etárias, o que sugere que eles devem ser mantidos fora do jogo por mais tempo.”

Arivaldo Maia com Redação do ESTADÃO CONTEÚDO