Linguista prevê o que Tite falará em caso de vitória ou derrota na Copa; descubra
   21 de novembro de 2022   │     17:00  │  0

Tite convocou a seleção brasileira para a Copa do Mundo do Catar.

Tite convocou a seleção brasileira para a Copa do Mundo do Catar – (Foto: Lucas Figueiredo / CBF)

Em sua tese de doutorado, Alfredo Vital de Oliveira analisa a diferença no discurso de treinadores vitoriosos e derrotados.

A bola já começar a rolar na Copa do Mundo do Catar,com os brasileiros torcendo por uma boa performance da nossa Seleção. Mas, para o professor de português Alfredo Vital de Oliveira, o evento trará um nervosismo extra nos próximos dias. Nas semana passada, ele defendeu a tese “Na vitória e na derrota, padrões linguísticos de técnicos de futebol”, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. O trabalho analisou o padrão linguístico de 26 treinadores através de suas entrevistas coletivas após os jogos de diferentes competições realizadas nos últimos anos.

Compilando 3.206 orações e mais de mil verbos, Oliveira conseguiu determinar as diferenças nos discursos desses profissionais quando ganham e quando perdem. Em um dos trechos da pesquisa, o doutor chega a prever o que o técnico da Seleção, Adenor Bacchi, o Tite, falará em caso de vitória ou de derrota — a estreia será quinta-feira, às 16h, contra a Sérvia. Até o fim da competição, poderá verificar o quanto acertou em sua simulação.

— De acordo com o levantamento que fiz em entrevistas após jogos de copas do mundo, se Tite vencer vai falar da família, da equipe e de outros membros da comissão, como roupeiro, massagista — antecipa Oliveira, acrescentando que o gaúcho deve usar imperativo na 1ª pessoa do plural, como em “celebremos este resultado” — Vai comentar o aspecto psicológico e fazer uma avaliação técnica da equipe. Vai se autoelogiar falando do método de trabalho e elogiar a pergunta do repórter.

E se a seleção brasileira perder? Pior, se for eliminada?

— Tite vai preferir falar do futuro, explicando que o Brasil vai melhorar na próxima copa. E vai lembrar de forma positiva do passado dele e de alguns jogadores — responde Oliveira. — Quando perde, o técnico costuma trazer na fala circunstâncias que explicam o fracasso. Vai começar uma frase falando da arbitragem, da meteorologia, das lesões…
Do ‘abraçar’ ao ‘bobear’

Oliveira, também formado em educação física, analisa o discurso de técnicos da Seleção, como Zagallo e Luiz Felipe Scolari, e de técnicos de clubes como Abel Braga, Fernando Diniz e Odair Hellmann. Na soma de tudo, fez descobertas curiosas.

Há verbos empregados apenas na vitória (abraçar, cheirar, encorajar) e outros usados apenas na derrota (acolher, bobear, queimar). Os perdedores também usaram a voz passiva 24% a mais. O objetivo? Proteger o grupo e o emprego, mostrando que a sua equipe não perdeu, “foi derrotada”.

Com ou sem media training, os “professores” sabem que, para se manterem vivos na casa-mata, devem obedecer uma tradição linguística, construída ao longo de décadas:

— Quando perde, um técnico nunca se refere a um jogador específico. Se fizer isso, terá represália do grupo. — explica Oliveira. — A relação com a imprensa é diferente. Quando ganha, o técnico se refere aos jornalistas no plural, como classe, “viram nossa vitória?”. Quando perde, personaliza: troca para a segunda pessoa do singular, referindo-se diretamente ao profissional que faz a pergunta.

Professor da Universidade de São Paulo e orientador da tese de Oliveira, Marcelo Módolo lembra que o futebol sempre teve influência na nossa língua e, por isso, costuma ser objeto de estudo dos linguistas. Ele cita trabalhos como “Vocabulário do futebol na mídia impressa: o glossário da bola”, de João Machado de Queiroz e “Dicionário Futebolês – Português” e “Futebol Falado: A dramática linguagem figurada do futebol” dois de vários estudos já publicados por Luiz Cesar Saraiva Feijó.

— A terminologia utilizada no meio futebolístico trouxe inúmeras contribuições para a linguagem no Brasil. Só para citar alguns exemplos, temos neologismos e expressões como “tirar o time de campo”, “encher a bola”, “jogar para o time”, “marcar contra”, “jogar limpo”, “pendurar as chuteiras”, entre outros — explica Módolo, em entrevista dada poucos minutos antes do fechamento da reportagem, ou seja: aos “45 do segundo tempo” .

Arivaldo Maia com Bolívar Torres – Redação do jornal O GLOBO