Salário de R$ 50 mil, bônus milionário e cargo para o filho: como Martorelli dirige o Sindicato de Atletas de SP há três décadas
   23 de abril de 2021   │     23:45  │  0

Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato de Atletas de SPRinaldo Matorelli – (Foto: Divulgação)

Sentado sobre uma fortuna dos jogadores, o dirigente se perpetua no cargo e valida decisões com assembleias quase vazias. Para faturar mais, criou agência de intermediação e brigou com a CBF.

Há 28 anos, o Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo (Sapesp) tem o mesmo presidente: o ex-goleiro Rinaldo Martorelli. Nesses 28 anos, foi reeleito seis vezes e transformou o cargo num negócio lucrativo. Ele começou por criar uma remuneração para sua função, aumentou-a sistematicamente, elaborou um bônus milionário e retroativo, reteve valores que poderiam ser repassados a atletas, contratou o próprio filho e transformou o sindicato numa empresa de agenciamento de jogadores.

A reportagem do ge obteve uma série de documentos em cartórios de São Paulo que contam como o ex-goleiro do Palmeiras assumiu o sindicato numa época de vacas magras e aproveitou o crescimento do futebol para transformar seu cargo no Sapesp num senhor emprego. São atas de assembleias, balanços, orçamentos, correspondências e alterações de estatuto.

Martorelli assumiu a presidência em 1993. Por sete anos, não ganhou salário. Até que em janeiro de 2000 criou uma remuneração mensal para seu cargo. Em janeiro de 2005, o presidente contratou o filho, Guilherme Martorelli, como advogado do sindicato.

Em março de 2020, o sindicalista propôs que a assembleia da entidade aprovasse um bônus retroativo que, em valores estimados, chega a R$ 3,5 milhões. Ainda em 2020, Martorelli transformou o Sapesp em uma empresa de agenciamento de jogadores e intermediação de transferências, para que possa faturar a partir da negociação de direitos federativos e econômicos. E entrou em conflito com a CBF por isso.

A TRAJETÓRIA
Como tudo aconteceu? Como Martorelli chegou ao poder e permaneceu por tanto tempo? Como um sindicato quebrado nos anos 1990 virou fonte de renda? Ex-goleiro do Palmeiras nos anos 1980, Martorelli assumiu a presidência do Sapesp em abril de 1993. Numa chapa que tinha Raí na secretaria, Velloso na tesouraria, César Sampaio, Pintado e Wladimir como suplentes, numa época em que o sindicato não tinha dinheiro.

Os sindicatos de jogadores de futebol são responsáveis pela intermediação do direito de arena. Uma parte do dinheiro do futebol – num fluxo que começa a partir das emissoras que compram os direitos de transmissão – não passa pelo caixa dos clubes e federações: 5% são retidos e repassados para os sindicatos, que se responsabilizam por distribuir aos atletas.

Ao longo dos anos, com mudanças nas leis e o crescimento vertiginoso do volume de dinheiro em circulação no futebol, o Sapesp passou a movimentar quantias milionárias. A entidade – que devia três meses de aluguel em 1993 – hoje tem sede própria, paga até carro para o presidente e acumula R$ 47 milhões em caixa.

Os documentos obtidos pelo ge revelam o funcionamento o sindicato – cuja função, segundo a Constituição, é assegurar “a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria”.

O SALÁRIO E O MODUS OPERANDI
Os atos do Sapesp precisam ser aprovados por uma Assembleia Geral convocada por meio de anúncios em jornais. O estatuto da entidade prevê que, “não havendo número legal de associados para instalação de trabalhos em primeira convocação, a assembleia será realizada uma hora depois, no mesmo dia e local, em segunda convocação com qualquer número de associados presentes”.

São Paulo tem mais de 8 mil jogadores profissionais de futebol. Mas aprovar qualquer ato numa assembleia do sindicato não requer quórum mínimo. Um exemplo é a reunião que aprovou a criação do salário presidencial. No dia 28 de março de 2000, sete anos após ter assumido a presidência e já reeleito uma vez, Martorelli convocou uma Assembleia Geral para votar a remuneração mensal para o presidente no valor de 30 salários mínimos – “passando a vigorar a partir de janeiro de 2000”, três meses antes.

A proposta foi aprovada por 56 associados: 31 jogadores da Catanduvense, 16 do Rio Claro – clubes que naquele ano disputaram a quinta divisão do Campeonato Paulista – e mais nove atletas identificados como “avulsos” na sede do sindicato.

Em 2016, com o aumento de 15%, o salário de Martorelli chegou a R$ 40.480 por mês. Em 2021, com o valor de referência em R$ 1.100, o salário está estimado em R$ 50.600 mensais.

A reportagem também consultou os peritos contábeis Ivam Ricardo Peleias e Allan Aquino Pereira de Lima, pesquisadores da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado). Os especialistas fizeram o cálculo a partir dos documentos fornecidos, e chegaram ao mesmo valor: R$ 50.600 mensais.

Martorelli falou sobre a questão:

– Entendo a pergunta a respeito do meu salário, porém cumpro com todas as minhas obrigações e reitero aquilo que percebo foi aprovado em assembleia, tenho obrigações com a minha categoria e as cumpro religiosamente. Mais, há que de salientar que o sindicato não recebe nenhuma verba pública, portanto, não há motivo para que eu mostre meu salário – declarou.

Blog com ge.globo